sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Opinião: "A Conquista da Honra"

Avaliação:

Título original: Flags of Our Fathers
Gênero: Guerra
Ano de lançamento: 2006
Direção: Clint Eastwood
Elenco: Ryan Phillippe
            Adam Beach
            Jesse Bradford
            Neal McDonough

       Filmes de guerra dificilmente dão a mesma atenção aos dois lados do combate. Geralmente os americanos são os protagonistas, os heróis responsáveis por livrar o mundo de alguma ameaça, seja ela na Segunda Guerra Mundial, no Vietnã, ou no Afeganistão. Os inimigos são sempre mostrados como genocidas cruéis, ao passo que os soldados dos Estados Unidos são certinhos, incorruptíveis, sempre prezando pela honra e justiça. Clint Eastwood resolveu fazer diferente ao mostrar os dois lados de uma mesma história: a batalha na ilha de Iwo Jima, no Japão, na Segunda Guerra. Mas em vez de fazer um filme ele criou dois, sendo um visto pela ótica dos americanos, "A Conquista da Honra", e outro apreciando o lado japonês da história, "Cartas de Iwo Jima".
      "A Conquista da Honra" é um longa baseado no livro "Flags of Our Fathers", que conta a história de soldados americanos alçados ao posto de heróis nacionais ao terem hasteado a bandeira americana no alto de um monte na ilha de Iwo Jima, dando assim a falsa ideia de que a batalha havia sido vencida. Três dos soldados são trazidos de volta aos Estados Unidos para serem usados na campanha de arrecadação para o fundo de guerra americano. O filme se baseia mais na campanha e nos conflitos internos dos personagens do que nas batalhas propriamente ditas. Mostra o jogo sujo do governo para manipular os verdadeiros fatos, maquiando a verdade para parecer mais bonita aos olhos do público e assim arrecadar mais.
      Os três soldados viajam pelos Estados Unidos como heróis de guerra, pedindo apoio público para o financiamento da guerra. Mas eles sabiam que não haviam feito nada de mais. A bandeira foi hasteada no quinto dia de batalha, sendo que ali ficaram combatendo por mais trinta e cinco dias após o ocorrido. E a bandeira da famosa foto tirada por Joe Rosenthal era a segunda a ser hasteada, já que a primeira havia sido retirada minutos antes. E ambos sabiam também que não eram heróis. Um era mensageiro, o outro era enfermeiro, e o último era apenas um soldado comum, não tendo eles feito nada de mais honroso para merecer tal título.
      O longa traça bem o retrato norte-americano da época na composição do soldado Ira Hayes, vivido por Adam Beach. Ira é descendente direto de indígenas, sendo recriminado por onde passa. A sociedade americana da época tratava os índios como inferiores, não os permitindo sequer entrar em um bar. Adam Beach interpreta Ira competentemente, compondo o personagem mais rico e tridimensional do filme.
      Clint Eastwood demonstra competência na direção do filme. Os planos abertos que trazem os navios perfilados no mar são de tirar o fôlego. As cenas de batalha, ainda que escassas para um filme do gênero, são maravilhosas; são filmadas com o céu nublado, o que confere um ar mais tenso às cenas. O diretor também acerta ao mostrar pouco os soldados japoneses, sendo que os americanos são atingidos sem que vejamos de onde partiu o tiro ou quem o disparou. Eastwood é competente ao preferir mostrar os dramas de cada soldado com o fardo que é obrigado a carregar para o resto da vida em vez das incessantes e sangrentas batalhas.
      Eastwood também não deixa a desejar na técnica do filme. A belíssima fotografia retrata a crueza da guerra, sendo dessaturada, quase sem cor. Os efeitos especiais são extremamente competentes, dando realidade às batalhas.
      É uma pena, portanto, que a narrativa não-linear acabe por comprometer o resultado final. As idas e vindas da história nos permitem descobrir, por exemplo, quem vai morrer e quem não vai, tirando assim o impacto das cenas. Os flashbacks constantes tornam-se cansativos a partir da metade do longa, cortando a ação e o ritmo nos momentos mais frenéticos. O longa também pesa a mão no forçado tom documental da parte final, tentando amarrar o longa inteiro em alguns minutos de explicação.
      Pode-se assim dizer que Clint Eastwood criou um belo filme sobre de guerra e seus efeitos na vida dos que a ela sobreviveram. Mas deve-se ressaltar que ele foi muito mais feliz ao contar o lado japonês da batalha em seu "Cartas de Iwo Jima", mostrando assim que mesmo que se dê atenção aos dois lados da história, um sempre será melhor conduzido do que o outro.



sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Opinião: "Amor e Outras Drogas"

 Avaliação:

Título original: Love and Other Drugs
Gênero: Comédia, romance
Ano de lançamento: 2010
Direção: Edward Zwick
Elenco: Jake Gillenhaal
            Anne Hathaway
            Josh Gad
            Oliver Platt
            Hank Azaria

“Amor e Outras Drogas” é uma comédia romântica transformada em drama. O filme de 2010 é dirigido por Edward Zwick, que também assina o roteiro com mais duas pessoas.
      O longa conta a história de Jamie Randall (Jake Gillenhaal), um vendedor de uma loja de eletrônicos com um talento nato para conquistar mulheres. Demitido da loja após ter um caso com a namorada do chefe, Jamie começa a trabalhar como representante de uma gigante indústria farmacêutica, e logo é designado a trabalhar em uma cidade interiorana. Com seu talento para vendas, ele logo passa a acompanhar o trabalho do doutor Knight (Hank Azaria) na tentativa de empurrar seus antidepressivos aos pacientes do médico. A única consulta que acompanhamos com Jamie é a de Maggie (a bela Anne Hathaway), uma jovem com acometida precocemente com o mal de Alzheimer.
      Jamie e Maggie começam a se relacionar, mas a garota não quer nada sério, preferindo limitar-se a encontros sexuais. Ela preferia viver sozinha, sem compromisso, para que ninguém se prendesse a ela devido a sua doença. Jamie inicialmente aceita, mas passado algum tempo ele passa a buscar algo mais duradouro, mesmo que isso signifique deixar de lado a carreira promissora e se dedicar integralmente à namorada.
      O romance entre os dois protagonistas é bem construído, sem soar artificial ou forçado. Há uma química inegável entre os dois. Anne Hathaway emociona nas cenas mais dramáticas, em uma de suas melhores atuações, sendo a melhor coisa do filme. Já Jake Gillenhaal é bastante competente como Jamie, o conquistador inveterado que se apaixona, exceto na cena em que ele diz “Eu te amo” pela primeira vez, completamente forçado. Mesmo assim, o casal foi indicado ao Globo de Ouro daquele ano, reconhecendo assim o trabalho competente de ambos.
      O grande problema de “Amor e Outras Drogas” reside na troca constante de tom da narrativa. No início temos o humor escrachado, carregado de palavrões e nudez exagerada e gratuita. Em seguida acompanhamos o desenrolar do romance, onde se situam os melhores momentos do longa. E ao final há a transição para o drama, quando Maggie passa a ter sintomas mais fortes de sua doença e Jamie parte em busca de tratamentos para a amada. Talvez o diretor tivesse tentado criar uma comédia diferente dos clichês do gênero, mas acabou forçando a mão. Mesmo nas cenas de drama, durante uma separação do casal, o diretor insere o humor exagerado, completamente fora de hora, tirando o impacto e a emoção da narrativa.
      O roteiro é interessante, mas tem suas falhas. É difícil aceitar, por exemplo, que médicos, pacientes e enfermeiras estejam tão maravilhados com o Viagra vendido por Jamie que cheguem a cercá-lo para receberem suas amostras, numa das cenas mais sem sentido. Ficamos sem entender como Maggie se sustenta, sendo que mora sozinha e aparentemente não trabalha, mas é perfeitamente capaz de andar com um maço de notas ao ir a uma consulta com o médico. E parece também que os sintomas da doença são causados pela presença constante de Jamie, já que afloram ainda mais à medida que o relacionamento avança, e simplesmente some ao final, quando Maggie já passou algum tempo longe do namorado.  E como engolir o irmão de Jamie, que mesmo sendo mais rico que seu irmão mais velho, vai morar com ele, sendo um peso desnecessário na narrativa?
      Em contraponto aos defeitos, o drama vivido pela personagem de Hathaway é bem explorado e tocante. Observe por exemplo seu apartamento bagunçado, que denota a instabilidade e inconstância da protagonista, que vive um dia após o outro tendo a arte como ponto de fuga para seus problemas. É emocionante, também, quando Jamie é confrontado com a possibilidade de passar o resto dos dias com Maggie, cuidando de suas necessidades fisiológicas à medida que a doença progride. É comovente perceber o empenho de Jamie na busca por um tratamento, viajando para diferentes hospitais em busca de algo que torne mais suportável a existência de sua companheira.
      Balanceando erros e acertos, “Amor e Outras drogas” é um passatempo interessante, que seria infinitamente melhor se o diretor deixasse de lado as picardias adolescentes e focasse mais tempo no teor emocional de seus personagens.


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Opinião: "A Noiva-Cadáver"

Avaliação:

Título Original: Corpse Bride
Gênero: Animação
Ano de lançamento: 2005
Direção: Tim Burton
Elenco (vozes): Johnny Depp 
                        Helena Bonham-Carter
                        Emily Watson
                        Albert Finney
                        Christopher Lee

      Tim Burton é um diretor famoso por explorar o gótico e o estranho em suas obras. São dele os fascinantes "Edward Mãos-de-Tesoura", "O Estranho Mundo de Jack" e "Os Fantasmas se Divertem", só para citar alguns de sua era mais bem-sucedida. E é nesse perfil sombrio mas divertido que se encaixa "A Noiva-Cadáver", ótima animação de 2005 filmada em stop-motion (técnica que utiliza bonecos de "massinha" em vez da computação gráfica).
      Baseado em um conto russo do século XIX, o roteiro conta a história de Victor Van Dort (voz de Johnny Depp), obrigado por seus pais a casar-se com Victoria Everglot (Emily Watson), proveniente de uma família falida a qual só restou o nome. Victor se apaixona por Victoria, mas não consegue declarar seus votos durante o ensaio do casamento. Envergonhado, ele sai pela floresta ensaiando os tais votos, até que põe a aliança em um galho seco que logo se revela ser a mão de Emily, uma Noiva-Cadáver (Helena Bonham-Carter). Agora casado com Emily, Victor é levado ao mundo dos mortos, onde ainda planeja retornar à sua noiva viva.
      Desenvolvendo-se com um ritmo empolgante, devido aos seus poucos 77 minutos de duração, o filme mantém o espectador inserido naquele fantasioso mundo de caveiras, cadáveres, aranhas falantes e minhocas que moram no cérebro. Burton nos apresenta um universo rico em detalhes e formas. Cada personagem tem fica marcado por sua característica física distinta, algo bastante evidenciado pelo contraste entre os pais de Victoria: enquanto sua mãe é alta e esguia, seu pai é baixo e arredondado. Já a Noiva-Cadáver é talvez a personagem mais rica visualmente. Mesmo com o corpo em decomposição, ela consegue ser bela e meiga, o que é realçado pelas suas feições brilhantemente construídas. Sempre é possível perceber quando ela está irritada, ou triste, ou feliz, graças às suas expressões cuidadosamente desenhadas. Ponto para a técnica de stop-motion empregada pelo diretor, que de tão fluida e bem feita, em alguns momentos pensamos estar assistindo a uma animação feita por computador.
      Victor tem sua constituição física bem parecida com a de seu dublador, Johnny Depp. Esguio, pálido, de cabelos negros e olhos profundos, é mais um personagem feito sob medida para o ator, algo não muito raro de acontecer. Depp já protagonizou dezenas de filmes de Burton, assim como a esposa do diretor, Helena Bonham-Carter, que aqui interpreta a Noiva-Cadáver. Após esse, a parceria Depp-Burton-Helena já rendeu "Sweeney-Todd",  "Alice no País das Maravilhas" e mais recentemente "Sombras da Noite".
      O filme é visualmente belíssimo, algo recorrente na filmografia do diretor. O mundo real e o mundo dos mortos são perfeitamente divididos por seu visual. Enquanto o preto-e-branco predomina no mundo dos vivos, trazendo uma atmosfera fria e sem vida, o mundo dos mortos traz uma energia e uma riqueza de cores impressionante, sendo justamente o que dá personalidade ao longa. As cenas que se passam no mundo real são apáticas, indiferentes, acentuando ainda mais o contraste entre os dois mundos.
      Apresentando uma surpresa após a outra no que tange à inventividade dos personagens do mundo dos mortos, a cada momento somos apresentados a sacadas brilhantes, como a empolgante banda de esqueletos, os cadáveres decompostos tomando drinques ou até mesmo um anão que tem uma espada atravessada em seu corpo, sendo esse último utilizado por Victor para se defender num dos momentos mais inspirados do longa. Todo o humor presente é bem amarrado à história, criando cenas hilárias desde o começo, quando o protagonista tenta por várias vezes acender a vela que segurava.
      Mas apesar de toda a estética impressionante e a personalidade já citadas, "A Noiva-Cadáver" padece de um mal cada vez mais comum: o final politicamente correto. (Só leia a partir daqui se já tiver assistido ao filme, para não estragar nenhuma surpresa) Mesmo tendo Victor passado mais tempo de projeção com Emily, e o longa tendo nos feito nos afeiçoar mais à personagem da Noiva-Cadáver, o diretor decide por manter Victor preso ao mundo dos vivos, ficando assim com Victoria e vendo Emily se desfazer em centenas de borboletas, após ter sido "liberta". Uma bela cena, mas que só serve para confundir a narrativa e diminuí-la em seu principal momento.
      Mas esses pequenos detalhes não estragam esse belo filme. Por todo o conjunto, "A Noiva-Cadáver" merece créditos pela coragem de mostrar personagens visualmente assustadores em uma animação. Por sua estética impecável e pela trama bem construída e conduzida, além do bom humor presente do início ao fim, o longa é uma agradável e emocionante história de amor.




segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Opinião: "O Curioso Caso de Benjamin Button"

Avaliação:

Título original: The Curious Case of Benjamin Button
Gênero: Drama, romance
Ano de lançamento: 2008
Direção: David Fincher
Elenco: Brad Pitt
            Kate Blanchett
            Taraji P. Henson
            Julia Ormond

       Como seria sua vida se, em vez de nascer jovem, crescer, se desenvolver, e morrer velho, você fizesse o caminho inverso? Se por acaso você nascesse com corpo de um idoso de 80 anos, e com o passar do tempo, fosse ficando mais jovem? Como seriam seus relacionamentos, seus amores, seus temores? São essas perguntas que movem o belíssimo "O Curioso caso de Benjamin Button", dirigido por David Fincher. O roteiro, escrito por Eric Roth, é uma adaptação livre de um conto de F. Scott Fitzgerald de 1921.
      Benjamin Button nasce em 1918, ao final da Primeira Guerra Mundial, em Nova Orleans, Estados Unidos. Sua mãe morre no parto, e seu pai, imaginando que o bebê fosse um monstro, abandona-o em frente a um asilo. Na verdade, seu problema é ter nascido com aparência de um idoso de 80 anos, juntamente com diversas enfermidades senis, sendo avaliado pelo médico como tendo pouco tempo de vida. Ele é criado por Queenie (Taraji P. Henson), e, ao contrário do que todos esperavam, ele cresce e rejuvenesce a cada ano que passa, intrigando quem convive com ele. Depois de algum tempo, ele conhece Daisy Fuller, que, na versão adulta interpretada por Kate Blanchett, viria a se tornar o grande amor de sua vida.
      Partindo de um conto fantasioso, que poderia gerar um filme vazio, ou até mesmo estranho, o longa torna-se interessante pela reflexão que faz da vida. Button, interpretado por Brad Pitt, é um personagem triste, que ao avaliar sua condição, se dá conta de que verá todos aqueles que ama partirem enquanto ele fica cada vez mais jovem e belo. Isso torna-se um problema ainda maior quando ele avalia seus relacionamentos amorosos, já que para sua companheira o tempo passaria normalmente e ela se tornaria uma mulher de meia-idade e em seguida uma idosa, mas para ele seria peculiarmente doloroso ser um homem de meia-idade e depois um adolescente, para em seguida ser criança.
      Benjamin torna-se marujo de um rebocador, e viaja pelo mundo com seus companheiros, mas sempre enviando cartões postais para Daisy. Nessas viagens ele conhece Elizabeth Abbott (Tilda Swinton), que viria a ser sua primeira grande paixão. Voltando para os Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, ele fica sabendo que Thomas Button (Jason Flemyng) é seu pai, que, arrependido por tê-lo abandonado, decide deixar toda sua fortuna para Benjamin.
      Os aspectos técnicos do filme são espetaculares, tendo sido agraciados com três Oscars. Os efeitos especiais são impressionantes, com destaque para a composição de um Brad Pitt senil com pouco mais de um metro de altura. A maquiagem é belíssima, criando cuidadosamente a aparência de Benjamin no começo do longa e de Daisy no final, além da mesma na cama do hospital, tornando Kate Blanchett irreconhecível. Outro ponto de destaque é a fotografia, escurecida na infância/velhice de Benjamin e dourada no seu auge físico.
      David Fincher consegue criar um filme belíssimo do ponto de vista técnico sem esquecer de dar a devida atenção à história. O diretor divide bem as fases da vida de Benjamin, sendo um visual escuro no começo, quando ele está debilitado e passa a maior parte do tempo dentro de casa. Até o dia surge escurecido, quase sempre nublado. Assim que ele cresce e sai de casa, percebemos o sol raiar, dando indícios da fase dourada. O mar, onde o personagem vive um bom tempo de sua vida, nunca é ensolarado, surgindo sempre entre nevoeiros, ou neve, ou tempestades. Mas é só no auge do seu vigor físico que vemos longos períodos ensolarados.
      Mas "O Curioso Caso de Benjamin Button" não vive só dos premiados aspectos técnicos. A composição dos personagens também é brilhante. Kate Blanchett cria uma Daisy determinada, apaixonada por balé, com personalidades diferentes a cada fase da vida. Se quando jovem ela é intensa, tagarela, sonhadora, ao chegar a certa idade ela já está mais madura, séria, devido aos desencontros proporcionados pela vida. Brad Pitt encarna o personagem título com segurança. Demonstra felicidade a cada nova descoberta na infância, mas também tristeza e dor a cada perda.
      O que move o longa é o amor entre Benjamin e Daisy. Apaixonados desde cedo, nunca puderam se entregar um ao outro completamente, seja por "diferença" de idade, seja por momentos diferentes da vida. É uma história marcada por desencontros até a metade do filme, quando os dois, no auge de suas vidas, decidem viver juntos o amor guardado por anos. E é por amor a Daisy e à filha que Benjamin decide deixá-las, já que em suas condições de rejuvenescimento não poderia ser um pai que a garota precisava. E é a partir desse instante que a trama até então melancólica torna-se triste. As cartas lidas por Caroline ilustram bem o amor do pai que teve que se afastar da filha, mas que nunca a esqueceu.
      Mesmo que nenhum de nós viva como Benjamin Button, somos capazes de sentir empatia, devido à emoção que a trama nos passa. A história nos prende, sem se tornar cansativa em momento algum, mesmo durando mais de duas horas e meia. Somos envolvidos na história de tal maneira que saímos da sessão cansados, como se tivéssemos vivido anos a fio com cada personagem. Mas o que realmente marca o filme é a mensagem que ele passa e a reflexão que causa no espectador. Somos levados a refletir sobre nossa vida, nossas escolhas, nossos relacionamentos. Somos confrontados várias vezes com a morte, e levados a pensar se damos a devida atenção às pessoas que nos cercam. Tanto que, numa cena no começo, certo personagem diz: "Nós temos que perder as pessoas que amamos. De qual forma mais saberíamos o quão importantes elas são para nós?" Uma perda é sempre um golpe, mas devemos aprender a lidar com elas.
      Também é um filme sobre a beleza da vida, e do quanto é importante ela ser vivida. Assistir ao filme nos faz lembrar de que precisamos ser felizes, precisamos viver. Encerro com outra bela citação do filme, que mesmo dita por um personagem idoso, se encaixaria perfeitamente se imaginássemos nossos defeitos no lugar dos problemas desse senhor: "Sou cego de um olho, não ouço muito bem.. tenho espasmos musculares e tremores continuos, às vezes perco a linha do pensamento... Mas sabe de uma coisa? Deus tem me lembrado sempre da sorte que tenho por estar vivo". E isso basta para tornar "O Curioso Caso de Benjamin Button" inesquecível.


terça-feira, 14 de agosto de 2012

Opinião: "Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge"




Avaliação:


Título original: The Dark Knight Rises
Gênero: Ação, aventura
Ano de lançamento: 2012
Direção: Christopher Nolan
Elenco: Christian Bale
            Tom Hardy
            Michael Cane
            Morgan Freeman
            Anne Hathaway
            Gary Oldman
            Marion Cottilard
            Joseph Gordon-Levitt

      Com "Batman Begins", de 2005, Christopher Nolan conseguiu reerguer uma franquia quase destruída por um patético "Batman & Robin" de 1997. Com "Batman - O Cavaleiro das Trevas", de 2008, o diretor alçou voos mais altos, criando um filme que respeita a inteligência do espectador e elevando o nível das produções de super-herói. Criou-se assim uma nova aura para o Homem-Morcego, elevando a patamares gigantescos a expectativa pelo fim da trilogia. E "Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge" não decepciona, mostrando-se um filme empolgante, mas ao mesmo tempo maduro e realista, como seus predecessores.
      Oito anos se passaram desde a morte de Harvey Dent e a última aparição de Batman. O herói assumiu a culpa pela morte do promotor público para que o povo de Gotham não perdesse as esperanças naquele que era o símbolo da honestidade da cidade. Bruce Wayne vive agora isolado na ala leste da mansão, sem fazer aparições públicas há anos. Até que ele se depara com um novo mal na cidade: Bane (Tom Hardy), um mercenário perigoso ex-membro da Liga das Sombras que planeja destruir Gotham. Batman então tem que voltar à ativa, mesmo fora de forma, para enfrentar um vilão frio e meticuloso, o completo oposto do seu último inimigo.
      Somos apresentados ainda a novos personagens, responsáveis por dar novo fôlego e uma nova visão à história: Selina Kyle, interpretada por Anne Hathaway, a ladra conhecida nos quadrinhos como a Mulher-Gato; John Blake (Joseph Gordon-Levitt), um esquentadinho membro da polícia, que desempenhará um papel importante na trama; Miranda Tate (Marion Cotillard), a bilionária que planeja investir no projeto de fusão nuclear das empresas Wayne. Ainda temos o brilhante time de veteranos, composto por Alfred (Michael Cane), Gordon (Gary Oldman) e Lucius Fox (Morgan Freeman), que se não têm muito tempo de tela, são responsáveis por momentos marcantes. Principalmente Alfred, que nos entrega as cenas mais emocionantes do longa.
      O roteiro mais uma vez é intrincado, cheio de reviravoltas, bem ao estilo de Nolan, que o escreveu junto com seu irmão, Jonathan. Bruce Wayne está debilitado, com problemas de saúde. Sua empresa chega à falência após o golpe aplicado por Bane, e fica somente com sua casa. Após ser traído por Selina, o limitado Batman cai nas mãos de Bane e tem seu arsenal roubado. Após uma luta crua, sem trilha sonora, o que ressalta a violência e a crueldade do vilão, o Homem-Morcego é abandonado em uma prisão distante, de onde apenas uma pessoa havia conseguido fugir.
      A estética do novo Batman é irretocável. Os cenários e figurinos são compostos o mais sobriamente possíveis, com o mínimo de cor, conferindo verossimilhança ao longa. A fotografia é responsável por mostrar uma Gotham sombria, nublada, quase monocromática, principalmente durante a ausência do herói. Os efeitos especiais são ótimos, ainda mais se considerarmos que o diretor preferiu efeitos mecânicos, fazendo o mínimo possível por meio digital,tornando tudo ainda mais real e impressionante. A cena inicial, com pessoas penduradas em um avião em queda livre, foram filmadas daquela maneira mesmo, sem o uso de computadores ou bonecos digitais. Ponto para o jeito mais correto e bonito de se fazer cinema. Outro destaque é para a trilha sonora brilhante de Hans Zimmer, pontuando acertadamente cada cena e tornando tudo ainda mais épico e emocionante.
      Tom Hardy está ameaçador como Bane. Se nos quadrinhos ele era apenas um ser enlouquecido que usava na máscara um soro para torná-lo mais forte, aqui Nolan o traz para sua abordagem realista, tornando-o um ser que precisa da máscara para injetá-lo morfina constantemente, sendo que do contrário sentiria dores extremas. Se o Coringa era esquizofrênico, ameaçador pelo simples fato de não seguir planos predeterminados, Bane exige uma meticulosidade incrível,seguindo à risca seu projeto de destruição e terror, tomando as rédeas da situação como um ditador tirano e cruel. O diretor acerta ao filmá-lo de baixo para cima, tornando-o ainda mais ameaçador. O trabalho de Tom Hardy como o vilão é simplesmente fantástico. Mesmo não sendo capazes de percebermos suas expressões com a boca, somos impressionados com seu olhar temível e principalmente as inflexões de sua voz, particularmente amedrontadora. Sentimos ali sua dor e principalmente sua raiva, apenas ouvindo sua voz. Quem optar por assistir à versão dublada perderá todo o brilhantismo de seu trabalho, construído por meses.
      Christian Bale mais uma vez está imponente como Batman/Bruce, reforçando o caráter de intérprete definitivo do personagem, ainda que este seja seu último filme. Sua entrega é marcante, demonstrada principalmente no esforço do herói para retomar a vida dupla após anos de inatividade. A emoção demonstrada por ele ao lembrar da amada Rachel é tocante, conferindo mais humanidade a uma pessoa reclusa e isolada como ele. A diferença da voz empregada para Bruce e Batman novamente merece destaque, conferindo personalidades distintas a personas interpretadas pelo mesmo ator.
      Mais uma vez, Christopher Nolan é magnífico na direção. Ainda que não alcance o nível de brilhantismo do longa anterior, o novo filme tem sua própria personalidade. Os diálogos são fortes, profundos. O que não falta ao longa é ritmo e tensão, desde os momentos iniciais até o desfecho emocionante. Ficamos com um nó na garganta a cada reviravolta, e mesmo que não seja tão tenso quanto o anterior, ainda exige demais do psicológico do espectador. O ritmo é quebrado algumas vezes por cenas necessárias, para o público digerir o que acabou de ver e tome fôlego para o que virá a seguir. Mas as cenas mais lentas não são menos importantes, já que sempre acrescentam uma nova nuance ao vilão e aumentam ainda mais a tensão para o confronto final.
      Nolan consegue novamente mostrar o máximo de seu brilhantismo como novo mestre dos blockbusters. Suas cenas de ação são novamente empolgantes, como em todos seus filmes. Mesmo assim a história não é deixada de lado em momento algum, usando a ação como consequência, e não como motivo de tudo. Os planos gerais que mostram Gotham sendo atacada por vários lados são esplêndidos, ressaltando a capacidade do diretor de conceber cenas belas e empolgantes. Mas o melhor é deixado para o final, quando somos apresentados ao verdadeiro propósito de alguns personagens e aos destinos inimagináveis de outros.
      Depois de todo o sucesso alcançado por Christopher Nolan, elevando Batman ao patamar máximo dos super-heróis e dos filmes de ação com conteúdo, certamente a Warner não demorará a anunciar um reboot. Espera-se que o novo diretor respeite a obra intocável do gênio responsável por três filmes brilhantes e insuperáveis.


sábado, 4 de agosto de 2012

Opinião: "Titanic"

Avaliação:

Título original: Titanic
Gênero: Drama, romance
Ano de lançamento: 1997
Direção: James Cameron
Elenco: Leonardo DiCaprio
            Kate Winslet
            Billy Zane
            Kathy Bates
            Bill Paxton 

      Filmes são feitos para serem apreciados. Há filmes que vêm e, se não são esquecidos de imediato, são deixados de lado logo que algo novo é lançado. Ontem se falava de "Transformers"; hoje se fala de "Os Vingadores". Se o sucesso do mês é "O Espetacular Homem-Aranha", no final do mesmo mês ele será jogado para escanteio pelo lançamento de "Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge". Um filme comum pode até ser agradável, e te entreter por algumas horas, mas somente os clássicos ficam guardados no seu coração. Somente os clássicos são revisitados e emocionam a cada nova visualização. Somente os clássicos têm a capacidade de se tornarem ainda maiores, melhores com o passar do tempo. Não desmerecendo os filmes bons lançados todo ano, mas somente os clássicos podem figurar na lista dos melhores da história. E "Titanic" já nasceu clássico. Épico. Emocionante.
      Quando James Cameron apresentou o projeto de um filme sobre o Titanic, navio naufragado em 1912, os executivos da Fox torceram o nariz. Não acreditavam que um filme com mais de três horas de duração custando mais de duzentos milhões de dólares (mais caro do que a construção do verdadeiro navio) pudesse pelo menos pagar seus custos de produção. O elenco não era estelar, ainda, mas a megalomania do diretor o impelia a construir um navio idêntico ao original, obrigando o estúdio a construir um novo set de filmagens com um tanque gigantesco para abrigá-lo. Vendo os custos de produção aumentarem assustadoramente e temendo o fracasso iminente, os diretores queriam cortar o filme de Cameron para pouco mais de duas horas, para que tivesse mais exibições e não desse prejuízo. Graças à teimosia do diretor e à sua competência, tivemos a honra de conhecer um filme que marcou toda uma geração. Haviam sido feitos cinco filmes sobre o naufrágio, mas nenhum marcou tanto quanto o de James Cameron.
      Durante uma expedição aos destroços do Titanic, a equipe do caçador de tesouros Brock Lovett (Bill Paxton) descobre um cofre com o desenho de uma mulher nua datado de 14 de abril de 1912, o mesmo dia do naufrágio do navio. Uma senhora liga para o capitão dizendo ser Rose Dawson, a moça do desenho, e é convidada a ir ao navio contar sua história. E que história. Logo no começo, Brock pergunta a Rose se ela está pronta para voltar ao Titanic. Essa pergunta deveria ser feita a cada pessoa que decide assistir ao filme. Quem decide por assistí-lo não é apenas um espectador, mas se torna um verdadeiro sobrevivente ao final da projeção. O longa é tão marcante que é difícil não se emocionar com a história de amor durante o naufrágio do maior navio do mundo.
      O RMS Titanic foi construído em Liverpool ao longo de três anos. Foi fabricado para ser inafundável, o maior navio do mundo, o navio que nem Deus poderia afundar, como viria a dizer Cal Hockley (Billy Zane) antes da fatídica viagem inaugural. Ali estava Rose DeWitt Bukater (Kate Winslet), a moça rica de dezessete anos prometida ao herdeiro de uma fortuna de aço. Ali estava Jack Dawson (Leonardo DiCaprio), um jovem sonhador e nômade, artista talentoso, que ganhou sua passagem para a viagem com uma mão sortuda no pôquer. Sortuda pelo pôquer, fatídica pelo destino, mas sortuda, sim, pelo amor encontrado ali.
      Rose é uma jovem de família rica, que está noiva de Cal Hockley. O casamento foi arranjado por sua mãe, Ruth (Frances Fischer), para manter o status da família, mas a jovem não quer casar-se, e trata seu noivo com desprezo. Farta dos acontecimentos, e já vislumbrando seu futuro de aparências ao lado de Cal, ela decide tirar sua vida jogando-se do navio. É ali que ela conhece Jack Dawson, o pobre artista feliz que salva sua vida. A salva de uma queda numa água congelante, e a salva de um casamento frustrado e uma vida infeliz. Creio que não devo me prolongar muito no resumo do filme, sendo que possivelmente todo mundo já o tenha assistido pelo menos uma vez.
      James Cameron criou um filme estupendo, de todos os pontos de vista possíveis. A direção de arte do longa é primorosa. Os figurinos são perfeitos, denotando o cuidado da equipe em recriar os trajes da época. A ambientação da época, seja pelos figurinos, objetos de cena ou até mesmo o bar do início do filme, tudo é meticulosamente criado, dando-nos a clara sensação de estarmos realmente em 1912. O mesmo pode se dizer de todos os cenários, onde a riqueza dos detalhes é imensa. Seja no restaurante da primeira classe, ou na escadaria do hall, ou no belíssimo convés, nada foi colocado por acaso no cenário, construído cuidadosamente para dar mais veracidade e capacidade de imersão à trama.
      A fotografia, como todos os outros aspectos técnicos, merece destaque. Destaca bem a diferença entre as classes, tão gritante na época. Se na primeira classe temos um tom dourado, brilhante, ressaltando a riqueza e o requinte do local, na terceira classe o tom fosco, branco, quase monocromático, dita a vida pobre e sem luxos dos passageiros. A noite fria também não passa desapercebida, realçando as baixas temperaturas com tons azulados. A sala de máquinas também é um ponto interessante, evidenciando o calor e o abafamento sofridos pelos trabalhadores.
      O que dizer dos efeitos especiais de "Titanic"? Basta dizer que são espetaculares, inacreditáveis, fantásticos? Não. Os efeitos especiais, sejam visuais ou sonoros, são um espetáculo à parte. Como já dito anteriormente, o navio não foi construído digitalmente, mas sim feita uma réplica em tamanho real. Os detalhes da destruição do transatlântico são de deixar qualquer um boquiaberto. Desde o choque com o iceberg, passando pelas inundações causadas pela entrada da água, até o naufrágio em si, tudo é espetacularmente real, imergindo o espectador ainda mais na história. Mesmo tendo se passado tantos anos, os efeitos visuais não se tornaram ultrapassados, engrandecendo ainda mais a obra.
      Mas "Titanic" não teria sido o sucesso que foi se não fosse sua história. Arriscando em criar uma história de amor fictícia em um acontecimento real, James Cameron acerta ao focar no amor proibido entre Rose e Jack, usando o naufrágio como plano de fundo. Em vez de criar um filme tragédia como tantos que existem, ele preferiu filmar uma espécie de "Romeu e Julieta" durante o naufrágio mais famoso de todos os tempos.Cameron cria uma narrativa envolvente, e por mais que o longa tenha mais de três horas de duração, nunca torna-se cansativo. A história nos envolve surpreendentemente, não por ter sido real, mas pela maneira profunda e intensa que nos é apresentada.
      As atuações são emocionantes. Kate Winslet está maravilhosa como Rose, decidida a enfrentar seu noivo e sua mãe para viver o romance com Jack, tendo sido indicada ao Oscar pelo papel. Leonardo DiCaprio nos entrega um Jack seguro, desempenhando bem o papel do jovem sonhador sem destino. É de Jack uma das frases mais tocantes de Titanic, sobre como viver sem ter destino: "Eu tenho tudo que preciso aqui comigo. Eu tenho ar em meus pulmões, algumas folhas de papel em branco. Quero dizer, eu adoro acordar de manhã sem saber o que vai acontecer ou, quem eu vou conhecer, onde eu vou acabar."
      Ao final, não tem como não se emocionar com "Titanic". Imaginar que a vida de milhares de inocentes foi ceifada por uma tragédia evitável é horrível. Se nem Deus poderia afundar o navio, os homens que o construíram conseguiram isso sozinhos, levando consigo pessoas importantes e pessoas humildes. A divisão de classe não existe mais, uma vez que na luta pela sobrevivência todos são igualmente humanos.
      James Cameron conseguiu. Pagou os custos de produção, e tornou seu "Titanic" a maior bilheteria de todos os tempos, que só seria superada doze anos depois, por ele mesmo com "Avatar". James Cameron conseguiu. Criou um romance emocionante onde só havia tragédia e dor, por mais que o desenrolar da história não tenha sido tão diferente. James Cameron conseguiu. Emocionou o mundo com seu clássico. Mesmo quinze anos depois, com o lançamento em 3D, ainda houve quem chorasse copiosamente ao final da exibição. Então, ao pensar em assistir novamente a esse filme histórico, faça a si mesmo a seguinte pergunta: Você está pronto para voltar ao Titanic?